SVB: Entenda o que provocou a segunda maior falência bancária dos EUA

Em menos de 48 horas, o banco SVB desapareceu. Qualquer quebra de banco no contexto atual pode causar calafrios, afinal, muitos lembram da crise de 2008. De modo geral, pode-se dizer que o sintoma foi o mesmo de 2008: problemas graves na gestão de risco. Por isso, vamos analisar o caso mais profundamente, pois serve de contexto para os problemas atuais do cenário macro.

Em 2020, tudo parou, e o Banco Central americano (FED) injetou dinheiro na economia de várias maneiras. Além de baixar juros, o banco central reduziu os depósitos compulsórios para 0%. Nos Estados Unidos, por lei, os compulsórios deveriam ficar entre 7% e 22%, com uma média de 10%. Apenas para nivelar o conhecimento de todos os leitores, vamos para uma breve explicação: Para que o sistema bancário funcione corretamente, o Banco Central define o percentual de depósitos que deve ser mantido compulsoriamente numa conta ligada a ele. Se o BC disser que os depósitos compulsórios são de 10%, os bancos podem emprestar até 90% do que seus clientes depositaram. Dada essa explicação, podemos concluir que os bancos simplesmente podiam emprestar tudo que tinham.

Outro ponto importante é que na pandemia vimos o diferencial que a tecnologia causa na vida das pessoas. Não por acaso, a Nasdaq (bolsa de tecnologia dos EUA) batia all-time high – máxima histórica – a cada semana. Quando os juros caem a zero, o custo de sonhar vai a infinito. Isto é, rapidamente vieram excessos como empresas que não davam lucro (non-profitable techs) ou projetos que só dariam certo se “conquistassem o mundo”.

Essa era a grande tese do momento: the winner takes it all (o vencedor leva tudo), em que as empresas queimavam caixa a qualquer custo para conquistar mercado, acabar com a concorrência e, quem sabe, dar lucro em dez anos.

Este é um breve resumo do que ocorreu, mas talvez seja mais fácil compreender a magnitude dos acontecimentos assistindo à série “We Crashed” (Apple TV), que retrata de forma excelente o caso da We Work. A empresa chegou a valer dezenas de bilhões de dólares não tanto pelos lucros, mas devido às ideias inovadoras do seu CEO, Adam Newman, um habilidoso vendedor de sonhos.

Nesse contexto de sucesso das empresas de tecnologia, quem também se beneficia? O banco, é claro. O Silicon Valley Bank (SVB), por ser menos burocrático e ter habilidade para estruturar produtos e oferecer melhores taxas, teve um grande crescimento. Em 2019, o banco tinha 62 bilhões de dólares em depósitos. Mas no final de 2021, esse valor havia aumentado para nada menos que 190 bilhões de dólares.Lembra que os depósitos compulsórios estavam em 0% e que o banco podia emprestar todo o seu dinheiro? Isso colocou o SVB em uma situação bastante complicada.

Como emprestar 130 bilhões de dólares rapidamente e de maneira responsável? Como solução, decidiram investir o excedente. Vale lembrar que o contexto era de excesso de liquidez, com títulos do tesouro americano de curto prazo oferecendo juros negativos. Nessa situação, o tesoureiro do banco provavelmente questionou: por que devo emprestar dinheiro para o governo se vou receber de volta um valor menor? Essa é uma questão difícil de lidar, já que não estamos acostumados com juros negativos. O Japão, por exemplo, tem enfrentado essa situação há bastante tempo e ainda não encontrou uma solução satisfatória.

Foi nesse cenário que o banco se viu diante de um grande desafio e resolveu inovar. Afinal, eles estão no Vale do Silício, berço da inovação mundial, onde empresas como Apple, Microsoft, Google e Netflix surgiram. Por que um banco também não poderia pensar fora da caixa?

Até agora tudo bem, mas o SVB cometeu um grande erro ao perpetuar as condições de investimento “atuais” e cair no pensamento inercial. Quando as coisas estão boas, as pessoas pensam que continuarão assim e projetam o que está acontecendo para o futuro. O problema é que isso traz um risco enorme, especialmente para os investimentos. O banco investiu 97% do seu capital excedente em títulos de MBS (Mortgage-backed Securities), que são projetados para serem mantidos até o vencimento de 10 anos e fixam os rendimentos em 1,79%.

A pedra no caminho foi a inflação. Em 2021, vimos o FED abandonar a posição de “negacionista da inflação” e realizar a maior alta de juros dos últimos 40 anos. 2022 começou com juros negativos e terminou com juros próximos de 5%. Isso não acontece com essa velocidade e magnitude desde os anos 80 e derruba o tabuleiro de xadrez.

O problema é que o SVB não se preparou para essa mudança. Em vez de priorizar a liquidez do banco, ele procurou retornos mais altos e, portanto, assumiu mais risco. Hoje, a taxa de um título prefixado americano paga 3,9%, o que é muito mais do que o rendimento fixo de 1,79% dos títulos MBS em que o SVB investiu a maior parte de seu capital excedente.

Imagine a seguinte situação: se você possui um título que paga 1,79% de juros e o mercado oferece outro que paga 3,9% em grande escala, o que acontece com o valor do seu investimento? Ele diminui, pois ninguém vai querer comprá-lo. O mesmo acontece se você tem um título que paga 1,79% e os juros caem ainda mais, para que o mercado ofereça títulos que pagam apenas 1%. Nesse caso, o valor do seu investimento aumenta. O grande problema do SVB foi que ele fez um investimento de longuíssimo prazo em um momento excepcionalmente favorável, quando os juros estavam em seu nível mais baixo na história dos Estados Unidos. Isso só teria sido interessante se os juros continuassem a cair, o que não aconteceu.

Em seguida, surgiram dois problemas: em primeiro lugar, o cenário mudou e as ações das empresas de tecnologia sem fins lucrativos caíram abruptamente. Como resultado, as empresas ficaram descapitalizadas, ocorreram demissões e, naturalmente, precisaram de dinheiro. Quem elas procuraram? O banco, é claro. Pois bem, as empresas começaram a sacar dinheiro e o banco se viu à mercê do segundo problema.

Porém, em segundo lugar, uma grande parte do excedente de caixa do banco estava investida em títulos de 10 anos e resgatá-los seria traumatizante. Mas foi isso que precisou ser feito. Dos 21 bilhões resgatados, 1,8 bilhão foi registrado como prejuízo, e o plano era emitir novas ações na bolsa para levantar 2,25 bilhões e garantir mais liquidez. Infelizmente, um dos grandes problemas do comportamento humano é o efeito manada. Quando alguns começaram a desconfiar, muitos outros rapidamente seguiram o mesmo caminho.

Ocorreu então uma situação irônica: surgiram boatos de que o banco não teria recursos suficientes para honrar os resgates e isso desencadeou uma grande corrida aos caixas para retirada de dinheiro. Essa reação em cadeia em que a crença de que o banco iria quebrar levou as pessoas a sacar seus recursos, o que, por sua vez, aumentou ainda mais o temor de que o banco não teria condições de cumprir com os resgates.

É interessante notar que, antigamente, esse tipo de situação provocaria filas enormes nas agências bancárias, mas, com a facilidade dos meios eletrônicos de acesso aos recursos, bastava ter internet, acesso ao aplicativo e um token para fazer o saque. Em menos de 48 horas, o banco se tornou insolvente e foi à falência.

E agora quais são os próximos passos?

Há muita incerteza em relação às consequências do colapso do SVB, mas é importante destacar que o FED já anunciou que irá cobrir os prejuízos dos correntistas, o que pelo menos temporariamente estanca a sangria financeira desse evento específico. Entretanto, esse é apenas o segundo evento de grande porte que se tem conhecimento, e pode ser apenas um sintoma de um problema maior que pode estar afetando outras empresas.

O primeiro evento de grande porte que ocorreu no final do ano passado envolveu fundos de pensão britânicos que, ao investir em títulos de longo prazo para melhorar os rendimentos, acabaram sofrendo prejuízos com a alta repentina dos juros, tendo o governo britânico que intervir.

Embora os juros tenham subido rapidamente em um cenário em que se acreditava no “fim da inflação”, a atual guerra entre Rússia e Ucrânia e a geopolítica global potencialmente conflituosa entre Ocidente (EUA) e Oriente (China) podem ter desencadeado o início da desglobalização, o que pode afetar muitas outras empresas. No atual contexto de desglobalização, os juros tendem a ser mais altos devido às novas forças inflacionárias em ação. Surgem novas práticas de produção, como o “nearshoring” (produzir próximo do país) e o “friendshoring” (produzir com países aliados), que implicam em custos mais elevados, mas com menor risco logístico.

Muitos investidores podem ter se equivocado ao manter um pensamento inercial e perpetuar as condições de investimento “atuais”. Por isso, é importante lembrar de diversificar bem o portfólio, já que o momento atual não é favorável para grandes ganhos, mas sim para gerar retornos adequados ao risco assumido.

Um grande abraço a todos nossos leitores e clientes,